quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

06 - A paixão segundo G.H.

06 - Clarice Lispector; A paixão segundo G.H.; Editora Rocco; 2009 (1964); 180 páginas 

Comentário: 
Ler Clarice Lispector é como entrar em um labirinto - o mesmo labirinto em que se encontram tantos outros escritores brasileiros criadores de estilo como Guimarães Rosa e Érico Verissimo.
O labirinto da compreensão - de tentar entender – o que por si só não deve ser feito. Jamais! Não deve ser entendido – basta ser lido... e deixar que a ideia tome forma, esperar que o ócio e o intelecto façam o resto,... ou não!


A paixão segundo G.H. é um jogo de palavras riquíssimo e sedutor de caráter epifânico – como uma revelação, um satori, assim, sem mais nem menos. É como um Koan ou um texto ocultista do século XVIII, ou ainda como um texto profético e apocalíptico da bíblia, apesar da escritora ser existencialista e claro nem um pouco religiosa esse texto tem também um caráter penitente, redentor. 


"O inferno é a boca que morde e come a carne viva que tem
sangue, e quem é comido uiva com o regozijo no olho: o inferno é a
dor como gozo da matéria, e com o riso do gozo, as lágrimas
escorrem de dor. E a lágrima que vem do riso de dor é o contrário
da redenção. Eu via a inexorabilidade da barata com sua máscara
de ritual. Eu via que o inferno era isso: a aceitação cruel da dor, a
solene falta de piedade pelo próprio destino, amar mais o ritual de
vida que a si próprio - esse era o inferno, onde quem comia a cara

viva do outro espojava-se na alegria da dor."

"A alegria de perder-se é uma alegria de sabath. Perder- se é
um achar-se perigoso. Eu estava experimentando naquele deserto
o fogo das coisas: e era um fogo neutro. Eu estava vivendo da
tessitura de que as coisas são feitas. E era um inferno, aquele,
porque naquele mundo que eu vivia não existe piedade nem
esperança.
Eu entrara na orgia do sabath. Agora sei o que se faz no
escuro das montanhas em noites de orgia. Eu sei! sei com horror:
gozam-se as coisas. Frui-se a coisa de que são feitas as coisas -
esta é a alegria crua da magia negra. Foi desse neutro que vivi - o
neutro era o meu verdadeiro caldo de cultura. Eu ia avançando, e
sentia a alegria do inferno.
E o inferno não é a tortura da dor! é a tortura de uma alegria."


Sinopse da editora: 

            “Romance original, desprovido das características próprias do gênero, A paixão segundo G.H. conta, através de um enredo banal, o pensar e o sentir de G.H., a protagonista-narradora que despede a empregada doméstica e decide fazer uma limpeza geral no quarto de serviço, que ela supõe imundo e repleto de inutilidades.

Após recuperar-se da frustração de ter encontrado um quarto limpo e arrumado, G.H. depara-se com uma barata na porta do armário. Depois do susto, ela esmaga o inseto e decide provar seu interior branco, processando-se, então, uma revelação.

G.H. sai de sua rotina civilizada e lança-se para fora do humano, reconstruindo-se a partir desse episódio. A protagonista vê sua condição de dona de casa e mãe como uma selvagem. Clarice escreve: “Provação significa que a vida está me provando. Mas provação significa também que estou provando. E provar pode ser transformar numa sede cada vez mais insaciável.”

A paixão segundo G.H., como os demais títulos de Clarice Lispector relançados pela Rocco, recebeu novo tratamento gráfico e passou por rigorosa revisão de texto, feita pela especialista em crítica textual Marlene Gomes Mendes, baseada em sua primeira edição.”

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