Comentário:
Ler Clarice Lispector é como entrar em um
labirinto - o mesmo labirinto em que se encontram tantos outros escritores
brasileiros criadores de estilo como Guimarães Rosa e Érico Verissimo.
O labirinto da compreensão - de tentar entender –
o que por si só não deve ser feito. Jamais! Não deve ser entendido – basta ser
lido... e deixar que a ideia tome forma, esperar que o ócio e o intelecto façam o resto,... ou não!
A paixão segundo G.H. é um jogo de palavras riquíssimo
e sedutor de caráter epifânico – como uma revelação, um satori, assim, sem mais
nem menos. É como um Koan ou um texto ocultista do século XVIII, ou ainda como
um texto profético e apocalíptico da bíblia, apesar da escritora ser existencialista
e claro nem um pouco religiosa esse texto tem também um caráter penitente, redentor.
"O
inferno é a boca que morde e come a carne viva que tem
sangue,
e quem é comido uiva com o regozijo no olho: o inferno é a
dor
como gozo da matéria, e com o riso do gozo, as lágrimas
escorrem
de dor. E a lágrima que vem do riso de dor é o contrário
da redenção.
Eu via a inexorabilidade da barata com sua máscara
de
ritual. Eu via que o inferno era isso: a aceitação cruel da dor, a
solene
falta de piedade pelo próprio destino, amar mais o ritual de
vida
que a si próprio - esse era o inferno, onde quem comia a cara
viva
do outro espojava-se na alegria da dor."
"A
alegria de perder-se é uma alegria de sabath. Perder- se é
um
achar-se perigoso. Eu estava experimentando naquele deserto
o fogo
das coisas: e era um fogo neutro. Eu estava vivendo da
tessitura
de que as coisas são feitas. E era um inferno, aquele,
porque
naquele mundo que eu vivia não existe piedade nem
esperança.
Eu
entrara na orgia do sabath. Agora sei o que se faz no
escuro
das montanhas em noites de orgia. Eu sei! sei com horror:
gozam-se
as coisas. Frui-se a coisa de que são feitas as coisas -
esta é
a alegria crua da magia negra. Foi desse neutro que vivi - o
neutro
era o meu verdadeiro caldo de cultura. Eu ia avançando, e
sentia
a alegria do inferno.
E o
inferno não é a tortura da dor! é a tortura de uma alegria."
Sinopse da editora:
“Romance original, desprovido das
características próprias do gênero, A paixão segundo G.H. conta, através de um
enredo banal, o pensar e o sentir de G.H., a protagonista-narradora que despede
a empregada doméstica e decide fazer uma limpeza geral no quarto de serviço,
que ela supõe imundo e repleto de inutilidades.
Após recuperar-se da frustração de ter encontrado um
quarto limpo e arrumado, G.H. depara-se com uma barata na porta do armário.
Depois do susto, ela esmaga o inseto e decide provar seu interior branco,
processando-se, então, uma revelação.
G.H. sai de sua rotina civilizada e lança-se para fora do
humano, reconstruindo-se a partir desse episódio. A protagonista vê sua
condição de dona de casa e mãe como uma selvagem. Clarice escreve: “Provação
significa que a vida está me provando. Mas provação significa também que estou
provando. E provar pode ser transformar numa sede cada vez mais insaciável.”
A paixão segundo G.H., como os demais títulos de Clarice
Lispector relançados pela Rocco, recebeu novo tratamento gráfico e passou por
rigorosa revisão de texto, feita pela especialista em crítica textual Marlene
Gomes Mendes, baseada em sua primeira edição.”
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