segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

03 - Nova antologia do conto russo (1792 - 1998)


03 - Antologia organizada por Bruno Barreto Gomilde; Nova antologia do conto russo (1792 - 1998); Editora 34; 2011; 648 páginas – Período de leitura: 16/02/13 - 03/04/13 

Comentário: 
Esta não é apenas uma simples antologia, é muito mais que isso, é um trabalho seríssimo constituído quase que só por obras inéditas de grandes mestres da prosa russa como: Dostoiévski, Tolstói, Gogól e Púchkin, só pra citar os mais conhecidos, mas na verdade são 40 contos de peso de 40 grandes mestres que por sua vez apresentam um rico panorama da literatura russa ao longo da história começando com um triste e tenebroso conto de amor de Nicolai Karamzin de 1792. Já o segundo, um conto de Púchkin, é uma espécie de aventuroso diário de viagem que mistura memória e ficção e que relata a viagem a Arzrum (baseado em uma ida ao Cáucaso), atravessando esta colcha de retalhos que é a mãe Rússia, tanto em paisagens como em línguas e nações.

O trecho abaixo foi retirado do conto Taman, de Mikhail Liérmontov; cito para exemplificar a genialidade e a maestria da prosa russa:

“À tardinha, eu a retive na entrada de sua casa e lhe disse:

— Diga-me, beleza — disse eu — o que estava fazendo no telhado hoje?

— Estava vendo de onde soprava o vento.

— E por que queria sabê-lo?

— De onde sopra o vento, sopra a felicidade.

— Você cantava a sua canção para lhe dar sorte, então?

— Onde se canta, se é feliz.

— E se sua canção não lhe trouxer felicidade?

— E dai? Onde não for melhor, será pior; do bem ao mal, a distância é pouca.

— Mas quem lhe ensinou esta canção?

— Ninguém ensinou; fico imaginado e canto. Quem deve ouvir, ouve; quem não deve, não entende.

— E qual é seu nome, minha cantora?

— Quem me batizou, sabe.

— E quem a batizou?

— Como eu vou saber?”...


- Temos também um maravilhoso conto da fase inicial de Dostoievski, em que aparece o primeiro de uma série de bufões/filósofos dostoievskianos - Polzunkov, e na sequência um assustador conto de guerra: Quatro dias de Vsiévollod Gárchin. Mas nada se iguala ao espetacular e surpreendente O sonho de Makar de Vladmir Korolienko - lembra um pouco o nosso O auto da compadecida de Ariano Suassuna, pois trata de um julgamento de um inteligente falecido que apela para a justiça divina e consegue mudar sua sentença...


NOVA ANTOLOGIA DO CONTO RUSSO (1792-1998)


Organização de Bruno Barretto Gomide
1. Pobre Liza (1792), Nikolai Karamzin
2. Viagem a Arzrum (1836), Aleksandr Púchkin
3. A carruagem (1836), Nikolai Gógol
4. A sílfide (1837), Vladímir Odóievski
5. Taman (1839), Mikhail Liérmontov
6. Polzunkov (1848), Fiódor Dostoiévski
7. Relíquia viva (1852), Ivan Turguêniev
8. Quatro dias (1877), Vsiévolod Gárchin
9. Viagem com um niilista (1882), Nikolai Leskov
10. Contos do major Gorbiliov, (Primeira noite)
(1884), Mikhail Saltikov-Schedrin
11. O sonho de Makar (1885), Vladímir Korolienko
12. O inquérito (1894), Aleksandr Kuprin
13. Ariadne (1895), Anton Tchekhov
14. Luz e sombras (1896), Fiódor Sologub
15. O abismo (1902), Leonid Andrêiev
16.Depois do baile (1903), Lev Tolstói
17. Um dia humano (1910), Arkadi Aviértchenko
18. Vendetta (1911), Maksim Górki
19.Dia de Páscoa (1911), Velimir Khliébnikov
20.Tempo do cão (1911), Nadiéjda Téffi
21. Cartas de Tula (1918), Boris Pasternak
22. A caverna (1920), Ievguêni Zamiátin
23. O caça-ratos (1924), Aleksandr Grin
24.Insolação (1925), Ivan Búnin
25. A crise (1925), Mikhail Zóschenko
26. O vadio Eduard (1925), Valentin Katáiev
27. Liompa (1928), Iuri Oliécha
28.Makar, o duvidador (1929), de Andrei Platónov
29.Guy de Maupassant (1932), Isaac Bábel
30. Como o Robinson foi criado (1933), Ilf e Petrov
31. Primavera em Fialta (1936), Vladímir Nabókov
32. Conexão (1937), Daniil Kharms
33. Neve (1943), Konstantin Paustóvski
34. Às avessas (1952), Aleksei Riémizov
35.Xerez (1958), Varlam Chalámov
36.Dá-lhe, coração! (1973), Vassili Chukchin
37. Noite (1988), Tatiana Tolstaia
38. A dama dos cachorros(1990), Liudmila
Petruchévskaia
39. Na rua e em casa (1995), Serguei Dovlátov
40. Um mês em Dachau (1998), Vladímir Sorókin

Sinopse da editora:

"Quarenta autores, quarenta contos, duzentos anos da melhor prosa russa reunida em um único volume.

Organizada por Bruno Barretto Gomide, professor da Universidade de São Paulo, esta antologia - a primeira no país inteiramente traduzida do russo e composta quase só de obras inéditas em português - apresenta ao leitor um rico panorama da literatura russa ao longo da história, iniciando-se em fins do século XVIII, com Nikolai Karamzin, e chegando até nossos dias, com Serguei Dovlátov, Liudmila Petruchévskaia, Tatiana Tolstaia e Vladímir Sorókin. Entre esses dois extremos, estão presentes todos os grandes nomes, como Púchkin, Gógol, Dostoiévski, Turguêniev, Tchekhov, Tolstói, Górki, Pasternak, Bábel e Nabókov, mas também vários outros menos conhecidos, porém igualmente importantes - Gárchin, Odóievski, Saltikov-Schedrin, Katáiev, Grin, Chalámov, Kharms, Platónov -, alguns deles nunca antes publicados no Brasil. 

         Para além dos grandiosos romances de Tolstói e Dostoiévski que, com seus debates de questões morais e existenciais, consagraram a literatura do país em todo o mundo, esta antologia vem mostrar que, na arte do conto, tanto em número como em qualidade - e abarcando uma diversidade de tons e temas -, os russos são igualmente magistrais.

Traduções de Arlete Cavaliere, Aurora Fornoni Bernardini, Boris Schnaiderman, Cecília Rosas, Daniela Mountian, Denise Sales, Fátima Bianchi, Graziela Schneider, Lucas Simone, Mário Ramos, Moissei Mountian, Natalia Marcelli de Carvalho, Nivaldo dos Santos, Noé Silva e Yulia Mikaelyan."

Sobre o organizador:
Bruno Barretto Gomide nasceu no Rio de Janeiro em 1972. É doutor pela Unicamp, com estágio de doutorado CAPES na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Realizou cursos nas Universidades de Illinois, Indiana, Cambridge e Linguística de Moscou. Desde 2005 é professor de literatura russa na USP, e atualmente coordena a pós-graduação da área. Foi pesquisador-visitante no Instituto Górki de Literatura Mundial, em Moscou (com apoio da FAPESP). É o organizador do GT de Literatura Russa da ABRALIC. Tem publicado artigos em periódicos internacionais (como o Tolstoy Studies Journal e o Vopróssi Literaturi) e participado dos principais congressos de eslavística. Publicou o livro Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936) pela Edusp, fruto de sua tese de doutorado (menção honrosa no prêmio de teses da CAPES no triênio 2004-2007).

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

02 - Dois sonhos - O sonho do titio e Sonhos de Petersburgo em verso e prosa

02 - Fiódor Dostoiévski; Dois sonhos, O sonho do titio e Sonhos de Petersburgo em verso e prosa; Editora 34; 2012; 240 páginas – Período de leitura: 03/02/13 - 16/02/13



Comentário: 
Assim como no romance cômico A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes, aqui, em O sonho de titio o Dostoéviski que se vê é completamente desconhecido para quem lê seus clássicos romances, que são sempre carregados de cenas densamente dramáticas, envoltas em crises existenciais, e tendências a assassinato e suicídio, etc., nesta breve novela Dostoéviski é dado a comicidade, a situações hilárias e escandalosas. A história em si não  é complexa, porém a genialidade com que Dostoéviski cria situações ridículas e hilariantes faz com que esta novela seja completamente imprevisível, sendo um susto a cada página.  


Sinopse da editora:
"Este volume reúne dois textos ficcionais de Fiódor Dostoiévski que se articulam não pelo gênero, mas por aquela percepção extremamente aguçada que tende a descobrir, por meio da ironia e do confronto entre diferentes pontos de vista, os ângulos mais incomuns da realidade.

Em O sonho do titio, de 1859 - ano em que o escritor retorna a São Petersburgo após um longo período de exílio na Sibéria -, a narrativa toma a forma da comédia de costumes e da crônica de província para promover um desmascaramento geral da sociedade russa, particularmente de sua aristocracia às vésperas de importantes transformações históricas, que ela parece absolutamente não enxergar.

Já em Sonhos de Petersburgo..., folhetim de 1861, Dostoiévski apaga deliberadamente as fronteiras entre a prosa e a poesia para construir uma visão ao mesmo tempo crítica, cômica e fantástica da cidade construída por Pedro, o Grande - tudo isso vazado num registro que oscila entre o devaneio, a epifania e a mais lúcida observação. Em comum, os dois sonhos de Dostoiévski - traduzidos por Paulo Bezerra diretamente do original russo - trazem o impulso do humor anárquico de Nikolai Gógol (1809-1852), que subverte as expectativas e, com as armas do absurdo e do nonsense, renova de modo surpreendente o nosso olhar sobre o mundo."

Sobre o autor:

"Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em Moscou a 30 de outubro de 1821, e estreou na literatura com Gente pobre, em 1844. Após ser preso e condenado à morte pelo regime czarista em 1849, teve sua pena comutada para quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria, experiência retratada em Recordações da casa dos mortos (1861). Após esse período, escreve uma sequência de grandes romances, como Crime e castigo e O idiota, culminando com a publicação de Os irmãos Karamázov em 1880. Reconhecido como um dos maiores autores de todos os tempos, Dostoiévski morreu em São Petersburgo, a 28 de janeiro de 1881."
Sobre o tradutor:
"Paulo Bezerra estudou língua e literatura russa na Universidade Lomonóssov, em Moscou, e foi professor de teoria da literatura na UERJ e de língua e literatura russa na USP. Livre-docente em Letras, leciona atualmente na Universidade Federal Fluminense. Já verteu diretamente do russo mais de quarenta obras nos campos da filosofia, psicologia, teoria literária e ficção, destacando-se suas premiadas traduções de Crime e castigo, O idiota, Os demônios e Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski. Em 2012 recebeu do governo da Rússia a Medalha Púchkin, por sua contribuição na divulgação da cultura russa no exterior."